Prelúdio
(do lat. tardio praeludium,
de prae-, ‘antes’, e ludus, ‘jogo’)
Há uma escolha para adentrar. Há quem prefira abrir uma página qualquer e sentir o texto, há quem é tomado pelo título e se deixa ir, há quem arrisca rapidamente uma exploração do sumário, em que didaticamente se dispõem os caminhos. Há quem lê do início ao fim, ainda que seja um livro de contos, cuja estrutura se abre a sequências várias, a combinações tantas, quase infinitas, uma para cada leitor. Assim há, por exemplo, os que leem do fim para o início.
É uma escolha: ora morro, ora brinco, ora freio, ora pe(n)so, ora reparo, ora parto. E por aí vai. Eu por exemplo, prefiro morrer primeiro de mim mesmo para depois experimentar ser eu mesmo e tantos outros e outras. Mas já preferi brincar primeiro para depois morrer-me. Ler um livro é mesmo uma escolha, é tomar parte, porque dali, depois da escolha, da leitura, o livro também é do leitor. Ele o tomará para si, de alguma forma. Ainda que dele se afaste, ele passará a ser parte de suas experiências. Então, se você chegou até aqui, este baile a fantasia, tão imaginariamente meu a princípio – mas só imaginariamente mesmo – já é também seu.
Escrever um livro também é uma escolha (embora ainda precise pensar sobre isso), como qualquer ação humana o deve ser, imagino. Também é uma escolha dirigir antes umas palavras ao leitor, assim tão prosaicamente, como faço aqui (e me desculpo), antes de oferecer-lhe outra palavra: aquela outra que se quer literária e que povoa as páginas que se seguirão (e reservo mais novos pedidos de indulgência, por estes meus escritos tão em rascunho, para não deixar de lado a milenar característica do gênero em que escrevo agora e para não desprezar uma singela estratégia de captatio beneuolentiae). Mas não, não pretendo ser generoso aqui oferecendo um mapa de leitura (embora esteja brincando com as palavras e propondo jogos ao leitor). A leitura pertence ao leitor. Mas se se aceita o jogo, que se jogue.
Este livrinho nasce depois de um longo tempo de lançado o ainda em flor (2006). Eu gostaria de poder explicar porque hesitei tanto em publicar este baile somente agora. Não, não faltou motivo, mas a vida pode nos impor mais dias de desmoronar, de se desfazer, do que suportamos. Ainda assim, o canto aqui, como a vida, é ora bastante triste, melancólico, ora alegre, ora disfarçado com as vestes da alegria. E se agora vem à luz essas palavras, ainda parafraseando a Cecília, é por que tive medo da mudez, mesmo não sendo poeta. E me demoro mesmo. É que às vezes sou prosa (vivo), às vezes poesia (quero viver). Às vezes quero viver na prosa, às vezes vivo na poesia. Como Jano, às vezes sou frente, às vezes sou verso, mas o meu ânimo, humilde e singelo, é mesmo o da musa pedestris, embora siga economicamente com as palavras, as poucas, as necessárias.
E de mais a mais, a escrita a mim tem seu modo e seu momento de se impor. Escrever também nos salva: de nós mesmos, da pequenez de nossas vidas, da enormidade de nossos mais secretos medos.
Para este baile a fantasia não é preciso convite, quem o teria? Mas a descida implica a experiência do abismo: o instante existe!
Vida
Os livros de ciências me ensinavam (coisa de livro):
os vivos nascem, crescem, reproduzem-se e morrem.
Tanto mundo de fora! Típico de definição.
Falta de poesia. Prosa de montão.
E se outra lógica? O fim pode ser o começo:
com reticências, degraus ao meio, que desço.
Mas com palavras, companheiras em travessia,
Ver onde chegam, abrir a porta em poesia.
Vê, das chegadas e partidas, o deus Jano
bifronte, qual seu lado verso, qual sua frente
(começa-se um novo ao findar-se velho ano),
as portas defende, no limiar, prudente.
E se o poeta estiver certo
e a porta encontrar fechada
Sem haver outro lado.
Apenas uma porta, uma ideia.
E as possibilidades da palavra.
O partir é o começo.
E, em paz, mas incerto,
sigo aqui entre dois parênteses:
(eu) parto, reparto.
Tu partes? Entra.
Salvador, 15 de agosto de 2017
(josé amarante)